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Amicus Curiae em Procedimentos Arbitrais

  • Foto do escritor: Luiza Cademartori Jacobsen
    Luiza Cademartori Jacobsen
  • 3 de jul.
  • 10 min de leitura

É possível a participação de terceiro na arbitragem como amicus curiae.[1] Por esta figura se entende a pessoa ou instituição que não é parte da disputa, mas que auxilia o tribunal arbitral por meio da prestação de informações sobre as quais possui conhecimento especializado.[2] O amicus curiae, entretanto, não se torna parte do procedimento arbitral.


A sua intervenção acontece em conflitos que, pela sua natureza, podem transcender o interesse das partes. Este é o caso, por exemplo, quando a controvérsia envolve questões de interesse público relacionadas a matérias ambientais ou de políticas públicas. Desta forma, este tipo de intervenção raramente ocorre em disputas envolvendo apenas entes privados.[3] Diferentemente ocorre em arbitragens de investimentos, i.e., aquelas entre Estados e investidores estrangeiros, nas quais em diversos casos a participação de amicus curiae já foi inclusive deferida. 


No âmbito brasileiro, a participação da Advocacia-Geral da União, na qualidade de amicus curiae, foi recentemente admitida em procedimento arbitral perante a ICC entre um consórcio e uma autarquia estadual (DER-SP) para que a AGU se manifestasse por escrito sobre a (im)possibilidade de pagamentos diretos fora do regime de precatórios.[4] 


Algumas regras arbitrais possuem previsão sobre a admissibilidade de participação de terceiros em outra capacidade que não a de parte, como o amicus curiae.[5] A falta de previsão expressa, todavia, não necessariamente implica na sua impossibilidade. Inclusive, algumas instituições já proferiram diretrizes nesse sentido. Por exemplo, o CAM-CCBC aprovou em 2014 a Resolução Administrativa 09/2014 sobre arbitragens com a administração pública, cujo Enunciado 5 confirma a possibilidade de amicus curiae.[6] A ICC também publicou nota prática sobre a condução de procedimentos, na qual ela clarifica que o tribunal arbitral poderá admitir amicus curiae com base no Art. 25(3) do seu regulamento.[7] Inclusive, a AGU, no caso envolvendo o DER-SP, fundamentou seu pedido neste dispositivo, bem como no Art. 138 do Código de Processo Civil. Entretanto, discorda-se de que o Código de Processo Civil possa servir como base para o amicus curiae no procedimento arbitral, dada a sua geral inaplicabilidade em arbitragens. O tribunal arbitral, no caso, não se aprofundou sobre sua autoridade para permitir amicus curiae, limitando-se a afirmar que possuía "plena liberdade seja para requerer como para admitir ou não a assistência de terceiros na qualidade de amicus curiae [...] independentemente da existência de dispositivo regulamentar tratando da figura do amicus curiae”).[8] Esta afirmação do tribunal arbitral acerca dos seus poderes está correta.[9] Afinal, independentemente de previsões em regras institucionais, os poderes do tribunal arbitral para autorizar a participação de amicus curiae devem ser considerados como abrangidos pelos poderes gerais dos árbitros para condução dos procedimentos. Inclusive, este foi o entendimento do tribunal arbitral no caso envolvendo Methanex e os Estados Unidos, no qual petições por amicus curiae foram admitidas pela primeira vez em uma arbitragem.[10]  Na decisão proferida em 2001, o tribunal arbitral afirmou ter poderes para tanto com base no Art. 15(1) das Regras de Arbitragem da UNCITRAL.[11]


A autoridade do tribunal arbitral independe de a arbitragem estar relacionada a tratados de investimento ou de ter, em um dos polos, um Estado ou ente público. Pelo amicus curiae não ser parte do procedimento arbitral, a sua admissibilidade não é uma matéria de jurisdição, mas sim de procedimento e por isso independe do consentimento das partes. A presença de amicus curiae é apenas mais frequente em arbitragens envolvendo Estados, principalmente em razão das matérias submetidas ao tribunal arbitral.[12] O teste a ser aplicado pelo tribunal depende então, sobretudo, das consequências da decisão a ser proferida, mais especificamente o reflexo dessas decisões sobre a coletividade. O patamar de repercussão exigido da sentença arbitral para que o tribunal admita a intervenção de amicus curiae será particularmente elevado quando a controvérsia envolver apenas partes privadas.


Ademais, ainda que o tribunal arbitral possua ampla discricionariedade, ele deverá considerar o impacto que a presença de amicus curiae poderá ocasionar sobre o procedimento, incluindo efetividade, confidencialidade e o estágio do procedimento arbitral.[13] Em arbitragens iniciadas ou movidas contra o Estado, a confidencialidade se revela um obstáculo menor em razão do maior grau de transparência exigido neste tipo de procedimento.


Ainda que a confidencialidade do procedimento arbitral seja um empecilho para o envolvimento de amicus curiae, ela não constitui um óbice absoluto por si só, uma vez que o tribunal arbitral deve sopesar a necessidade de amicus curiae com o nível de sigilo esperado pelas partes para adotar as medidas necessárias. 


A forma da participação de terceiro na qualidade de amicus curiae pode variar conforme o procedimento. Normalmente, ela é limitada à possibilidade de apresentação de alegações escritas.[14] Interessados em intervir como amicus curiae frequentemente solicitam, além da apresentação de memoriais, acesso a documentos e às audiências.[15] Entretanto, tribunais arbitrais têm se mostrado relutantes em aceitar estes pedidos.[16] Em arbitragens sob os auspícios do ICSID, o acesso a documentos e à audiência está sujeito a veto unilateral de quaisquer das partes.[17] Neste caso, havendo resistência por uma das partes, carece o tribunal de poderes para afastar o veto.[18]


[1] Sobre amicus curiae, conferir o artigo escrito por Bernard Potsch (Expansão da Atuação de Amicus Curiae à Arbitragem Comercial: Lições das Arbitragens de Investimento e da Experiência Internacional, In: BARBOZA, Heloisa Helena et al., Direito Internacional, Rio de Janeiro: Processo, 2022, pp. 211-222).

[2] Na definição de um tribunal arbitral: “The Tribunal does not accept Claimants’ interpretation of the ICSID Convention and Rules on this point. An amicus curiae is, as the Latin words indicate, a “friend of the court,” and is not a party to the proceeding. Its role in other forums and systems has traditionally been that of a nonparty, and the Tribunal believes that an amicus curiae in an ICSID proceeding would also be that of a nonparty. The traditional role of an amicus curiae in an adversary proceeding is to help the decision maker arrive at its decision by providing the decision maker with arguments, perspectives, and expertise that the litigating parties may not provide. In short, a request to act as amicus curiae is an offer of assistance – an offer that the decision maker is free to accept or reject. An amicus curiae is a volunteer, a friend of the court, not a party” (Suez v. Argentina, ICSID Case No. ARB/03/17, Order in Response to a Petition for Participation as Amicus Curiae, 17 de março de 2006, para. 13). Ver BALTAG, Crina. The Role of Amici Curiae in Light of Recent Developments in Investment Treaty Arbitration: Legitimizing the System?, ICSID Review - Foreign Investment Law Journal, 2020, p. 279; BORN, Gary B; FORREST, Stephanie. Amicus Curiae Participation in Investment Arbitration, ICSID Review - Foreign Investment Law Journal, 2019(3), p. 626; HANOTIAU, Bernard. Complex Arbitrations - Multiparty, Multicontract, Multi-issue and Class Actions, 2a ed., Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2020, para. 867.

[3] BORN, Gary B; FORREST, Stephanie. Amicus Curiae Participation in Investment Arbitration, ICSID Review - Foreign Investment Law Journal, 2019(3), p. 642.

[4] Consórcio Construcap-Copasa SP-088 vs. Departamento de Estradas de Rodagem do Estado De São Paulo (DER-SP), CCI Nº 26772/PFF/RLS, Ordem Processual n° 12, 5 de novembro de 2024, paras. 19-21: “Concretamente, a questão posta nesta arbitragem pelas Requerentes, no sentido de que eventual indenização que lhe seja devida seja paga sem a observância do regime de precatórios é, por certo, tema sensível à Administração Pública. Essa matéria ensejou a apresentação de pareceres e manifestações das Partes e, agora, os Requerimentos de ingresso como amici curiae da AGU e MSP. Com efeito, percebe o Tribunal Arbitral a relevância da matéria em apreço e, muito embora as Requerentes sustentem a inexistência de impacto de potencial decisão deste Tribunal Arbitral favorável à sua tese, entende o Tribunal Arbitral que a publicização de sentença nesse sentido pode, em certa medida, servir de instrumento de persuasão em outros processos de arbitragem”. Nesta mesma ordem processual, o tribunal arbitral rejeitou o pedido do Município de São Paulo (MSP) que também havia solicitado a sua participação como amicus curiae. Os árbitros entenderam que não era imperiosa a participação do MSP, uma vez que o requerido era representado pela Procuradoria Geral do Estado. Ainda, conforme o tribunal arbitral, a presença de dois amici curiae iria de encontro a eficiência que deveria orientar o curso do procedimento arbitral.

[5] Regulamento de Arbitragem do Swiss Arbitration Centre (2021), Art. 6(4): “Where a third person requests or is requested by a party to participate in the arbitration proceedings in a capacity other than an additional party, the arbitral tribunal, after consulting with all parties and the third person, shall decide on whether to permit such participation and on its modalities, taking into account all relevant circumstances”. Ver também Regra 67 das Regras do ICSID (2022); SIAC sobre Arbitragens de Investimento (2017), Regra 29; UNCITRAL Rules on Transparency in Treaty-based Investor-State Arbitration (2013), Art. 29.

[6] Resolução Administrativa 09/2014 do CAM-CCBC sobre arbitragens com a administração pública, Enunciado 5: “É permitida a participação de amicus curiae no procedimento arbitral, desde que previamente autorizado pelo Tribunal Arbitral, que deverá considerar, em seu juízo de conveniência e oportunidade, a relevância da matéria e a representatividade do postulante”.

[7] ICC Note to Parties and Arbitral Tribunals on the Conduct of the Arbitration under the ICC Rules of Arbitration (2021), para. 178: “Pursuant to Article 25(3), the arbitral tribunal may, after consulting the parties, adopt measures to allow oral or written submissions by amici curiae and non-disputing parties”.

[8] Consórcio Construcap-Copasa SP-088 vs. Departamento de Estradas de Rodagem do Estado De São Paulo (DER-SP), CCI Nº 26772/PFF/RLS, Ordem Processual n° 12, 5 de novembro de 2024, para. 18.

[9] Não se analisa aqui o mérito da decisão.

[10] Methanex v. Estados Unidos, UNCITRAL, Decision of The Tribunal on Petitions from Third Persons to Intervene as "Amici Curiae”, 15 de Janeiro de 2001, para. 25: “It follows that the Tribunal’s powers in this respect must be inferred, if at all, from its more general procedural powers. In the Tribunal’s view, the Petitioners’ requests must be considered against Article 15(1) of the UNCITRAL Arbitration Rules; and it is not possible or appropriate to look elsewhere for any broader power or jurisdiction”. Ver também UPS v. Canada, ICSID Case No. UNCT/02/1, Decision of the Tribunal on Petitions for Intervention and Participation as Amici Curiae, 17 October 2001, para. 61: “Is it within the scope of article 15(1) for the Tribunal to receive submissions offered by third parties with the purpose of assisting the Tribunal in that process? The Tribunal considers that it is. It is part of its power to conduct the arbitration in such manner as it considers appropriate”.

[11] Regras de Arbitragem da UNCITRAL (1976), Art. 15(1): “Subject to these Rules, the arbitral tribunal may conduct the arbitration in such manner as it considers appropriate, provided that the parties are treated with equality and that at any stage of the proceedings each party is given a full opportunity of presenting his case”.

[12] STERN, Brigitte. O ingresso da sociedade civil na arbitragem entre Estado e investidor. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, Vol. 1, jan./abr. 2004, pp. 101–113 (Acesso eletrônico – Revista dos Tribunais): “Os problemas abordados são, assim, muitas vezes, riscos de sociedade e não é nada surpreendente que a sociedade civil queira se manifestar a partir do momento em que são suscitadas questões de interesse geral”.

[13] MENEZES, Caio Campello de. O papel do amicus curiae nas arbitragens, Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, Vol. 12, jan./mar. 2007, pp. 94–102 (Acesso eletrônico – Revista dos Tribunais): “Para desempenhar tal função, devem ser observados determinados critérios, de modo a não comprometer os princípios formadores da arbitragem, notadamente a confidencialidade e o tratamento igualitário das partes. Está certo que o rigor formal/processual não deve se sobrepor à justiça e aos interesses públicos (sociais e econômicos), mas é preciso que as partes tenham seus direitos salvaguardados e consintam com a participação do amicus curiae”. 

[14] HANOTIAU, Bernard. Complex Arbitrations - Multiparty, Multicontract, Multi-issue and Class Actions, 2a ed., Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2020, para. 867. Conforme colocado pelo tribunal arbitral no caso ICSID entre Vivendi e Argentina: “In such cases, a nonparty to the dispute, as “a friend,” offers to provide the court or tribunal its special perspectives, arguments, or expertise on the dispute, usually in the form of a written amicus curiae brief or submission (Vivendi v. Argentina, ICSID Case No. ARB/03/19, Order in response to a Petition for Transparency and Participation as Amicus Curiae, 19 de maio de 2005, para. 14).

[15] KALNINA, Eva; GODBOLE, Ankita. Access to Proceedings and Non‐Disputing Party Submissions [Rules 62-68], In: HAPP, Richard; WILSKE, Stephan, ICSID Rules and Regulations 2022: Article-by-Article Commentary, Munique: C. H. Beck, 2022, Rule 67, para. 14.

[16] Eli Lilly and Company v. Canada, UNCITRAL, ICSID Case No. UNCT/14/2, Procedural Order No. 5, 29 de abril de 2016, para. 12: “Amici are to be treated like other members of the public and will not be given access to the hearing room. If amici wish to view proceedings, they may do so from the public-access room at the World Bank”.

[17] Sobre acesso a documentos: Regras do ICSID (2022), Regra 67(6): “The Tribunal shall provide the non-disputing party with relevant documents filed in the proceeding, unless either party objects”. Sobre acesso à audiência, Regras do ICSID (2022), Regra 65(1): “The Tribunal shall allow persons in addition to the parties, their representatives, witnesses and experts during their testimony, and persons assisting the Tribunal, to observe hearings, unless either party objects”. Houve tentativa de retirar essa possibilidade de veto, mas a proposta de alteração encontrou resistência de diversos Estados (KALNINA, Eva; GODBOLE, Ankita. Access to Proceedings and Non‐Disputing Party Submissions [Rules 62-68], In: HAPP, Richard; WILSKE, Stephan, ICSID Rules and Regulations 2022: Article-by-Article Commentary, Munique: C. H. Beck, 2022, Rule 65, para. 5. Ainda, sobre casos nos quais amici curiae receberam certos documentos, ver Piero Foresti v. África do Sul, ICSID Case No. ARB(AF)/07/01, Letter Regarding Non-Disputing Parties, 5 de outubro de 2009: “Accordingly, the Tribunal has taken the view that the NDPs must be allowed access to those papers submitted to the Tribunal by the Parties that are necessary to enable the NDPs to focus their submissions upon the issues arising in the case and to see what positions the Parties have taken on those issues. The NDPs must also be given adequate opportunity to prepare and deliver their submissions in sufficient time before the hearing for the Parties to be able to respond to those submissions”.

[18] Biwater Gauff Ltd. v. Tanzania, ICSID Case No. ARB/05/22, Procedural Order No. 5, 2 de fevereiro de 2007, para. 71: “In this case, Claimant objects to the presence of the Petitioners at the hearing. The Arbitral Tribunal therefore has no power to permit the Petitioners' presence or participation at the hearing, and must accordingly reject its application in this regard”.


 
 
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